A última lembrança que tenho sua, embora não a mais forte, é daquela despedida casual e descuidada, beijos rápidos na bochecha e um “até breve” sincero. Veríamo-nos tão logo, delongas não eram necessárias, lágrimas não seriam derramadas, nem sequer um minuto gasto para memorizar últimos olhares.
Acordei numa manhã ao som de agitação e desespero e tive que deduzir lentamente, a partir do choro compulsivo da minha mãe, do silêncio grave e ininterrompível dos meus irmãos e seus passos agitados de um lado para o outro, que você se fora. A morte não esperou por nosso próximo encontro.
Um adulto saberia o que fazer. Ante a primeira menção da palavra “câncer”, meses antes, começaria talvez intimamente a preparar-se emocionalmente para o pior. Já eu, eu acreditei que você melhoraria. Acreditei que um dia poderia cumprir a promessa de jogar vôlei comigo na praia. Acreditei que voltaria a fazer aquelas brincadeiras bobinhas que gostava tanto, a dar sustos nos outros, lambidas nos rostos e me buscar de lambreta na escola. Mesmo passar um dia inteiro no hospital com você entubada, lutando por respirar, com os grandes olhos verdes arregalados e assustados, não foi dica suficiente do que estava por vir. Eu não conhecia a morte. Então, nos despedimos assim. Um tchau irrefletido, um abraço não sentido do qual mal posso me recordar. Quando finalmente cheguei, era tarde. Você já não estava mais lá.
E, por não nos despedirmos propriamente, você me assombrou muito depois que se foi. A sensação irremissível de que você simplesmente surgiria à porta, rindo muito porque tudo não passava de uma grande piada. A incapacidade de aceitar que nessa vida nunca mais a ouviria dar essas risadas. A incompreensão de como o mundo pode continuar prosseguindo seu curso quando sua vida parou de forma tão abrupta. Meses, talvez anos, para me conciliar com o fato de que eu nunca parei para pensar que nosso último instante seria, de fato, o último. Com o fato de que um momento tão significativo deixou-me apenas uma lembrança nebulosa e semi-imaginada. Eu não sabia, eu simplesmente não sabia.
Você não foi a última pessoa que perdi. Perdi pessoas, lugares e coisas que me significaram tanto. Mas, desde que você se foi, aprendi a me despedir em todo instante. Despeço-me de toda felicidade enquanto a vivo; suspiro nostalgicamente pelo presente; deixo que a vida seja iluminada e temperada pela sua brevidade. Últimos olhares para os que amo, para os que passam, para os que vejo. Últimos olhares para a minha casinha, para a minha rua tranquila, para essa vila. Últimos olhares para a nossa juventude, para a nossa saúde, para os anos dourados em que vivemos. Despeço-me silenciosamente da nossa sociedade, da nossa cultura, dos nossos valores. Despeço-me de tudo que toco e celebro a efemeridade até mesmo de estátuas e grandes construções. Que privilégio tive de conhecê-los, a todos, antes de tornarmo-nos todos memoriais e ruínas para admiração e ponderação das próximas gerações. Até mesmo inscrições em pedras sofrem com as erosões do tempo. Que esperança há para nós?
Não sei mais viver um momento de pura alegria — a família reunida, borbulhando de causos engraçados e saudades para matar ou o olhar cheio de carinho do meu jovem esposo logo depois de deitar — sem sobrepor por cima o fantasma do que foi e do que será. É lindo e doloroso. Quanto tempo mais durará? Não sei. Por isso, cada momento a mais que nos é dado é uma agradável surpresa, uma oportunidade de despedirmo-nos mais uma vez com propósito e intensidade.
Parece bobo, mas acredito que o que lamento mesmo (e, ao mesmo tempo, celebro) são, no final das contas, as mudanças. Ausências doem. E toda mudança significa necessariamente ausência — do que foi, do que fomos, do que poderia ter sido.
É o que nos tornamos hoje que choramos? Acho que não. É o deixar. O ser humano deve ser o único bicho que volta para lamentar seu casulo. E o dos outros.
Faz sentido? Tudo que passou é casca, não é? Você está voando, minha tia, minha linda borboleta. Nossa despedida só foi a última porque na eternidade despedidas serão desnecessárias.
Com esse pensamento, despeço-me por agora. Até breve — quem sabe.