100 sonhos de solidão

Alternava flashes da realidade da minha cama e dos cobertores entrelaçados com baforadas ruidosas de estupor e ilusão. Estávamos em um veleiro. Meus cabelos chicoteando meu pescoço e o rosto dele, ele com a barba arranhando meu ombro. Um raio de luz cegando um dos seus olhos, o resto é sombra minha. Eu o vi ali nessa meio-sombra, meio cor, embora ele estivesse por trás de mim e essa perspectiva fosse tecnicamente impossível. Estávamos os dois ali embaixo, porque agora nos via de cima, envolvidos naquela atmosfera rosa alheia aos outros que novos amantes se encobrem.

“Conta um segredo”, exijo dele. “Algo que ninguém sabe.”

A meia cor se aquece, um trem violento borra a cena em trilhos invisíveis e fora de lugar, o sacolejar suave do mar locomove a luz e você é todo sombra.

“Eu te amo”, sussurra. “Sempre te amei, sempre vou te amar”, com rouquidão e secura nas palavras.

Um brilho de lágrimas no balançar da luz. Os cobertores me pesam no corpo. Um trem prossegue seu trajeto, sempre constante, sempre rangendo, rugindo arrepios. “Eu te amo” continua num eco ondulado de alguma saudade esquecida. “Eu te amo”… “eu te amo”… cada vez mais indistinto, cada vez mais desejado.

“Eu também”, tento falar, mas a voz não sai. As sombras não se vão mais. O foco se desfaz devagarinho e o mundo pulsa porque preciso tocá-lo ao menos uma vez, uma única vez preciso alcançar o seu rosto.

Solto a beirada do barco e me torno para ele. Meus dedos se esticam para tocar o seu rosto e ao mesmo tempo para alcançá-lo no outro lado da cama. Mas, não sinto nada além do vazio. Apalpo o lençol frio antes de soluçar solidão.

“Eu também”, sussurro tremendo, semiacordada, semidormindo.

Meu choro é  pela alegria completa se esvaindo como o nevoar em olhos recém-despertos.

Quem pode dizer que não foi real por não ter existido? Alguém que nunca sonhou?

Foi a matéria dos sonhos, o tecido conjuntivo entre a minguante e o nascente, o que amei. Amei, amei, acreditem. Amei mais do que já amei alguém.

Ao menos, agora eu sei do que o meu amor é feito. Do material que os sonhos são tecidos.

“Você sabe aquele lugar entre dormindo e desperto? O lugar que você ainda lembra de sonhar? É este o lugar onde eu sempre vou te amar, Peter Pan. É onde eu estarei esperando.” ~ Tinkerbell, Hook - O Retorno do Capitão Gancho






Sobre 100 sonhos de solidão

Este post nasceu da vontade de registrar de alguma forma momentos que foram recorrentes na minha vida. Um deles era a sensação de perda e irrealidade que sucedia a sonhos que pareciam bom demais para ser verdade e, de fato, eram.