Foi naquele romance adolescente que li o mocinho exclamar: “As nuvens são o pó dos pés de Deus”.
Talvez tenha mesmo acabado de passar por aqui. Quem sabe alguns minutos mais cedo e eu o teria visto com meus próprios olhos passeando, se afastando, abandonando essa cidade—para sempre? Minutos, fazendo a diferença de toda uma vida. Será? Isso explicaria, no entanto, essa saudade de não-sei-do-quê aqui dentro formigando, o pulsar no peito da dor de ‘podia, seria, queria’ sem origem e sem destino.
— Senhora, senhora—não queria incomodar—mas, por acaso, viu Deus passar? Ele esteve aqui… ou ali. Ou será que o pó foi apenas varrido para cá a fim de nos despistar?
Está tão frio que logo começo a duvidar que o frio venha de fora. Há quanto tempo já estou morta? Mal termino de embaçar o vidro com a pergunta, meu coração dispara estilhaçando a teoria. Não, o frio é apenas a falta. E é uma deselegância toda essa poeira à minha volta, sem a glória da História para a justificar. Nesta época, nesta ausência, nem mesmo os passarinhos cantam, nem os insetos zumbem, nem meu espírito ama. Mas, apenas um sorriso seu, meu amor e minha razão, e novamente haveria razão. Talvez você possa me deixar lhe espiar, por um milésimo de segundo que seja, numa manhã escura de inverno, como um vizinho que ‘acidentalmente’ deixa as persianas abertas para que a alegria de sua reunião familiar particular seja completa. Um relance dos anjos, um vulto do poder criador que gerou todo o universo, uma sensação de beijo na alma e eu estaria completa. Mas, de que adianta o meu argumento? Que seja aqui ou ali, no alto de um monte ou nas profundezas oceânicas, já é tarde demais, já é longe, já é ontem, para eu o encontrar.
Obrigada, Deus. Obrigada.